Dona Gertrudes era uma velhinha simpática, rechonchuda de
faces rosadas que já não tinha condições físicas de ir à feira. Tinha muita
dificuldade para se locomover e realizar as atividades que outrora lhe davam
tanto prazer. Uma das coisas que mais gostava era ir à feira comprar alimentos
que consumiria durante a semana, mas já não tinha vitalidade e já não escutava
como antes. Precisava de alguém para realizar esta tarefa, pois não podia ficar
sem sua chicória, escarola, bife de patinho e bolachas de água e sal.
Naquela tarde
estávamos brincando de queimada quando a bola caiu em seu quintal. Ela, com
certa dificuldade, amparada em sua bengala pegou a bola e jogou por cima do muro. A criançada toda alvoroçada
pulava para pegar. Eu achei nobre da parte dela fazer isso, porque na mesma rua
morava um velhinho que furava a bola quando esta caia em seu quintal. Com toda
a educação cheguei bem perto dela e falei bem alto: “Muito obrigada”, minha irmã fez o mesmo. Ela sorriu e nos fez um
convite, disse que pagaria uns trocados a uma de nós se fizéssemos a feira para
ela. O que mais queríamos era ganhar uns
trocados. Entre muitos “Eu Vou” a
velhinha ficou confusa e disse que só poderia pagar para uma. Dissemos a ela
que iríamos resolver. Eu não queria perder aquela oportunidade e minha irmã
também não.
Antigamente cinco horas da manhã os feirantes chegavam com
suas mercadorias fresquinhas e já ocupavam toda a rua, que não era muito longe
do local de onde morávamos. Era o local
onde pessoas do bairro se encontravam. Era um oi daqui, um olá dali, abraços
suados, encontro de comadres, crianças passando por debaixo das barracas para furtar
uma fruta, feirantes jogando gracejos às moças bonitas que passavam. Corpos suados que se acotovelavam, vez e outra
o carrinho passava em cima de algum dedão desavisado e logo se ouvia um
xingamento, os feirantes gritavam e usavam frases engraçadas para chamar a
atenção dos clientes. Misturava-se a isto o cheiro das hortaliças, carnes,
cereais, peixes, temperos, frutas e legumes. Era uma verdadeira miscelânea
de sons e cheiros e para as crianças tudo era muito divertido.
Em uma manhã fria acordei
cedo, me troquei, escovei os dentes, comi um pãozinho com leite e dei uma
olhada em minha irmã e, para minha alegria, percebi que ela estava dormindo
profundamente. Saí na ponta dos pés muito feliz porque meu plano estava dando
certo. Atravessei a rua e toquei alegremente a campainha da casa da velhinha. De
repente ouvi uns passos, olhei para trás e lá estava a minha irmã toda
descabelada vindo em minha direção. Confesso que fiquei irada, pois já havia
feito planos com o dinheiro que ia ganhar. Fomos à feira juntas, mas sem muita
conversa. Comprávamos sempre os mesmos itens: Chicória, escarola, patinho em
bife e bolachas de água e sal. Entregávamos a sacola e recebíamos o dinheiro
com alegria. Todos os domingos o fato se
repetia, ou eu ou ela corria na frente, mas sempre acabávamos indo juntas e
repartíamos o dinheiro. Este mesmo comportamento se repetiu por várias vezes mais
tarde, na adolescência foram as roupas, os livros, a maquiagem e os perfumes.
Hoje já adultas compartilhamos as lembranças de uma época muito feliz.
Continuo indo à feira do São Domingos, mas sinceramente algo
mudou. Algo se perdeu. Ou será que fui eu que mudei?
Por Leila Bomfim
Parabéns, minha amiga! Vá em frente! Espero ver todas as suas crônicas publicadas em breve!
ResponderExcluirAbração!
Rafael.
Obrigada Rafael
ExcluirEu também espero publicar todas as minhas crônicas.
Um abraço
Leila
Parabéns Leila... adorei principalmente porque de certo modo nos sentimos cúmplices desta historia, do bairro e da "feira" que com certeza temos muitas passagens interessantes...e só vem uma palavra em minha mente "saudades". Maurici
ResponderExcluirObrigada Maurici
ResponderExcluirA feira do S.D marcou a vida de todos nós.
Um abraço