sexta-feira, 1 de março de 2013

Feira da minha infância



 

           Dona Gertrudes era uma velhinha simpática, rechonchuda de faces rosadas que já não tinha condições físicas de ir à feira. Tinha muita dificuldade para se locomover e realizar as atividades que outrora lhe davam tanto prazer. Uma das coisas que mais gostava era ir à feira comprar alimentos que consumiria durante a semana, mas já não tinha vitalidade e já não escutava como antes. Precisava de alguém para realizar esta tarefa, pois não podia ficar sem sua chicória, escarola, bife de patinho e bolachas de água e sal.

             Naquela tarde estávamos brincando de queimada quando a bola caiu em seu quintal. Ela, com certa dificuldade, amparada em sua bengala pegou a bola e jogou  por cima do muro. A criançada toda alvoroçada pulava para pegar. Eu achei nobre da parte dela fazer isso, porque na mesma rua morava um velhinho que furava a bola quando esta caia em seu quintal. Com toda a educação cheguei bem perto dela e falei bem alto: “Muito obrigada”, minha irmã fez o mesmo. Ela sorriu e nos fez um convite, disse que pagaria uns trocados a uma de nós se fizéssemos a feira para ela.  O que mais queríamos era ganhar uns trocados. Entre muitos “Eu Vou” a velhinha ficou confusa e disse que só poderia pagar para uma. Dissemos a ela que iríamos resolver. Eu não queria perder aquela oportunidade e minha irmã também não.

Antigamente cinco horas da manhã os feirantes chegavam com suas mercadorias fresquinhas e já ocupavam toda a rua, que não era muito longe do local de onde morávamos.  Era o local onde pessoas do bairro se encontravam. Era um oi daqui, um olá dali, abraços suados, encontro de comadres, crianças passando por debaixo das barracas para furtar uma fruta, feirantes jogando gracejos às moças bonitas que passavam. Corpos suados que se acotovelavam, vez e outra o carrinho passava em cima de algum dedão desavisado e logo se ouvia um xingamento, os feirantes gritavam e usavam frases engraçadas para chamar a atenção dos clientes. Misturava-se a isto o cheiro das hortaliças, carnes, cereais, peixes, temperos, frutas e legumes. Era uma verdadeira miscelânea de sons e cheiros e para as crianças tudo era muito divertido.

              Em uma manhã fria acordei cedo, me troquei, escovei os dentes, comi um pãozinho com leite e dei uma olhada em minha irmã e, para minha alegria, percebi que ela estava dormindo profundamente. Saí na ponta dos pés muito feliz porque meu plano estava dando certo. Atravessei a rua e toquei alegremente a campainha da casa da velhinha. De repente ouvi uns passos, olhei para trás e lá estava a minha irmã toda descabelada vindo em minha direção. Confesso que fiquei irada, pois já havia feito planos com o dinheiro que ia ganhar. Fomos à feira juntas, mas sem muita conversa. Comprávamos sempre os mesmos itens: Chicória, escarola, patinho em bife e bolachas de água e sal. Entregávamos a sacola e recebíamos o dinheiro com alegria.  Todos os domingos o fato se repetia, ou eu ou ela corria na frente, mas sempre acabávamos indo juntas e repartíamos o dinheiro. Este mesmo comportamento se repetiu por várias vezes mais tarde, na adolescência foram as roupas, os livros, a maquiagem e os perfumes. Hoje já adultas compartilhamos as lembranças de uma época muito feliz.

           Continuo indo à feira do São Domingos, mas sinceramente algo mudou. Algo se perdeu. Ou será que fui eu que mudei?

Por Leila Bomfim

4 comentários:

  1. Parabéns, minha amiga! Vá em frente! Espero ver todas as suas crônicas publicadas em breve!
    Abração!
    Rafael.

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    1. Obrigada Rafael
      Eu também espero publicar todas as minhas crônicas.
      Um abraço
      Leila

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  2. Parabéns Leila... adorei principalmente porque de certo modo nos sentimos cúmplices desta historia, do bairro e da "feira" que com certeza temos muitas passagens interessantes...e só vem uma palavra em minha mente "saudades". Maurici

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  3. Obrigada Maurici
    A feira do S.D marcou a vida de todos nós.
    Um abraço

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Sua visita me deixa muito feliz!