quarta-feira, 13 de março de 2013

Um livro e uma lição





Arrumei rapidamente minhas meias três quartos, amarrei o cadarço do meu tênis, peguei a prancheta com os cadernos e conferi se o livro “Emília no país da gramática”  estava junto com os meus materiais. Aquele dia eu tinha que entregar o livro e não gostava de  atrasar a entrega, pois assim que entregava um, logo pegava outro e as professoras que cuidavam da agenda da biblioteca eram muito rígidas e costumavam punir os esquecidos de plantão. Nunca fui muito boa com horários, e isso me rendeu vários tropeços pela vida. A escola ficava no final da rua. Era uma construção antiga e imponente, cercada com muros vazados e não muito altos, que facilitava a escapada de alguns fujões. Era rodeada de altos eucaliptos e o chão era forrado de folhas secas que perfumavam o local.   
          Saí correndo, a rua estava vazia, isso fez com que eu corresse mais ainda porque geralmente tinha sempre crianças que estavam indo ou voltando da escola e naquele momento eu estava só em minha busca frenética para conseguir chegar até o portão da escola. Meu cabelo que estava em um coque se soltou, o coração acelerou e minhas pernas que tentavam alcançar as exigências do meu coração doíam. De repente um cadarço desamarrou. Minhas pernas perderam a sincronia dos movimentos, tentei me segurar para não cair, mas não deu. Foi um tombo cinematográfico, os meus materiais se espalharam pelo chão de terra vermelha, minha camisa branquinha manchou toda e meus joelhos ficaram esfolados.
       Não desisti. Peguei meus materiais e continuei correndo. Cheguei ao portão da escola toda esbaforida e dei de cara com a Dona Neide, uma servente muito brava que as crianças odiavam, já fechando o portão. Implorei para que me deixasse entrar. Ela me olhou por inteiro, camisa manchada, respiração ofegante, joelhos esfolados e fixou seu olhar em meus olhos lacrimejantes. Por um instante pensei que tudo ia se perder que minha tentativa tinha sido em vão, mas ela passou a mão em minha cabeça, amoleceu o coração e me deixou entrar, depois de me dar uma bronca é claro. Subi a escada que dava para o pátio da escola, fui ao banheiro limpei meus joelhos, arrumei o material e para minha tristeza notei que a capa do livro que eu teria que entregar naquele dia estava rasgada. O que mais poderia acontecer, pensei comigo? Quanta desgraça em um dia só! Comecei a chorar, percebi então que nem tempo para as lágrimas eu tinha, pois a aula já havia começado. Fui para a sala de aula, pedi licença a professora e sentei em meu lugar.  A professora me olhou com um olhar enternecido e continuou a aula.  Passei a aula pensando de que forma eu poderia entregar o livro, o que iria dizer? Que penalidade eu iria ter? Poderia emprestar outros livros? A possibilidade de ficar longe de Monteiro Lobato, Luiz Carlos Puntel, Manuel Bandeira e tantos outros escritores que eu amava, me deixava desolada.
         A hora do intervalo estava chegando e meu coração estava apertado, era nesse momento que eu entregava os livros na biblioteca. No último minuto decidi que entregaria o livro, da capa rasgada, entre outros livros, de uma forma que não desse para perceber e sairia de lá o mais rápido possível. Fui até a biblioteca, peguei uma fila que estava grande, notei  que tinha muitos alunos atrás de mim, senti certo alívio por isso. Quando chegou minha vez entreguei os livros, ela olhou com pressa, fez algumas anotações e me dispensou. Fui para o recreio pensando se teria feito a coisa certa. Comi o lanche e logo bateu o sinal. O pátio era muito grande e a escola tinha três andares até que todas as crianças subissem as escadas para chegar até suas salas demorava um pouco.
          A aula já havia começado à quinze minutos, de repente alguém bateu à  porta.    Uma figura já conhecida entrou e  falou  algo com a professora. Um dedo foi apontado para mim.
             Meu coração disparou. Percebi que todos me  olhavam. Queria enfiar minha cabeça em um buraco naquele momento. Ela bem que podia ter me chamado para conversar do lado de fora da sala, mas não,  tinha que me fazer passar por todo aquele constrangimento.
             A moça mostrou o livro e disse:
          "-Você pegou este livro emprestado e ele estava em perfeitas condições. Como pode  entregar um livro neste estado? Que relaxo! Você deve ser assim com o seu material também não é?"
 Todos os olhares estavam sobre mim e eu não respondia nada, fiquei quieta o tempo todo.
           "-Você está proibida de emprestar livros na biblioteca por três meses  mocinha." Disse a moça rispidamente.
              Uma lágrima rolou em minha face e meu olhar cabisbaixo manteve-se assim por um bom tempo. Três meses sem o meu passatempo predileto, ler.  Impossibilitada de viajar por entre as palavras, rir e me aventurar com personagens que me divertiam e me ensinavam tanto. Isso sim era um árduo castigo.
                A professora percebendo a minha tristeza, chegou bem pertinho e me disse:
           "-Nunca deixe ninguém falar com você desse jeito. Por mais errada que você esteja sempre há algo para se falar, para se justificar. Por que não disse nada?"
              As sábias palavras daquela professora ainda ecoam pelos meus ouvidos até hoje. Por que não falei nada? Cansei de tentar achar uma resposta, prefiro pensar na grande lição que aprendi naquele dia.                  
 
Por Leila Bomfim
12/03/2013




  

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